Por Giezi Alves de
Oliveira
Chegamos ao final da copa
do mundo. Não. Não chegamos ao hexacampeonato, chegamos ao fim do evento. Mas
não quero falar da derrota da nossa seleção para a Alemanha, nem para a
Holanda. Quero falar sobre a rivalidade entre Argentinos e Brasileiros e o que
ela revela. Há quem diga que essa rivalidade é histórica. Alguns especialistas
afirmam que ela remonta ao Tratado de Tordesilhas e que de lá para cá essa
peleja vem se intensificando com as disputas esportivas, principalmente no
futebol.
É um erro generalizar
comportamentos sociais de uma determinada comunidade, região ou país sem correr
o risco de ser injusto ou preconceituoso. Alimentar essa rivalidade entre
argentinos e brasileiros não faz sentido. Ou faz? A verdade é que essas
disputas acabam revelando, em alguns casos, preconceitos socioculturais
arraigados no ser humano. Tais prenoções se baseiam em generalizações negativas
a respeito da maneira de ser, falar, agir e pensar do outro.
Ao discorrer sobre o modo
de vida de um povo, atribui-se a ele, geralmente, características ligadas ao
seu aspecto físico ou comportamental: é belo ou feio, é sábio ou ignorante; é
honesto ou desonesto, é humilde ou arrogante, fala certo ou fala errado, em sua
própria língua materna etc. A partir dessas comparações, algumas pessoas
costumam definir um caráter universalizante e que às vezes beiram ao ridículo.
O fato é que basta uma experiência ruim, em algum lugar, e com alguém, que o
preconceito aflora. Ora, assaltantes, golpistas, vagabundos e pessoas honestas
existem em toda a parte do mundo. Mas devemos ter em conta que pessoas
honestas são infinitamente superiores às desonestas.
As marcas culturais são
normalmente o gatilho para as disputas pelo primeiro lugar na cadeia alimentar
humana. Basta voltar as nossas atenções para dentro do nosso próprio território
nacional e perceber que as rivalidades regionais são visíveis e normalmente
alimentadas pela ignorância e pelo ego inflado de alguns poucos financeiramente
"privilegiados". É claro que preconceitos não se resumem às classes
dominantes. Ela brota de discussões acaloradas como, por exemplo, aquela gerada
por uma publicação do jornal britânico The Sunday Times, em que o pesquisador
James Watson, renomado cientista e ganhador do Prêmio Nobel pela descoberta da
estrutura do DNA, afirmava que africanos seriam menos inteligentes que os
ocidentais e, por isso mesmo, declarava-se pessimista em relação ao futuro da
África (PARADELA; PEREIRA; ANDERS; AGOSTINHO; FIGUEIREDO; PAIVA, 2008). Tal
afirmação gerou desconforto e motivou discussões em torno da dualidade genética
x inteligência e sua relação com o racismo. O referido artigo,
consequentemente, despertou sentimentos eufóricos sobre ética, discriminação,
xenofobia, intolerância, sectarismo etc.
Mas a mídia, e em certa
medida as redes sociais, têm suas fatias de responsabilidades. Elas também
alimentam a discriminação, a hostilidade, a implicância, a intolerância e a
rejeição direta ou indiretamente. Pode-se verificar isso nas postagens em redes
sociais, nas piadas e nos comentários acerca de nordestinos, mineiros, gaúchos,
cariocas, paulistas, amazonenses etc. Isso não seria diferente em se tratando
de estrangeiros e aqui está incluída a Argentina, para não falar daqueles
países em que certo presidente definiu como “eixo do mal”.
Alguns humoristas também
têm suas parcelas de responsabilidades na divulgação de preconceitos, contudo
as piadas criadas já são resultantes de uma discriminação instituída na
sociedade e isso não seria motivo, por exemplo, para organização de uma cruzada
contra humoristas, afinal é função deles provocarem o riso ou o escárnio. De
certo modo, não descartaria a ideia de que blogs, sites e redes sociais mereçam
um pouco mais de atenção no que concerne ao trabalho educativo com relação ao
compartilhamento de certas postagens, tal como ocorrido em relação às piadas de
cunho racista e que já se tornaram sem graça. Ninguém mais ri de piadas sobre
negros, talvez pela força que as leis impuseram, mas também devido a influência
da ideia do politicamente correto.
Longe de querer ser o
paladino da justiça social, creio que o pior nisso tudo, na minha visão, que
também e limitada, é a “síndrome de vira-lata” de muitos brasileiros quando se
trata de comparar comunidades, povos e nações e passam a reproduzir a ideia mesquinha,
intolerante e invejosa de alguns poucos. É aqui que um dos preconceitos
mais perniciosos contra a própria cultura emerge como um gênio da lâmpada do
mal. Influenciados também pela opinião pública, as pessoas acabam por se
referir aos europeus e americanos (USA) como povo de cultura superior e à
América Latina (isso inclui o Brasil) como "raça" inferior e
ignorante. Isso pode ser comprovado na discussão que agora surge sobre a
contratação de um técnico estrangeiro para comandar a seleção brasileira.
Afinal, somos tão incompetentes assim?
Não é difícil conhecer
gente que sonha morar no exterior e desfrutar de todas as benesses que existem
por lá, mas quando realizam esse sonho, alguns logo passam a sonhar também com
o retorno à sua cidade natal e o interessante disso tudo é que o mesmo ocorre
com alguns estrangeiros que visitam o Brasil.
Por ocasião desta copa,
turistas revelaram, em pesquisa, que morariam no Brasil. Muitos deles, ao
comparar a sua cultura com a nossa, estranharam de maneira positiva o nosso way
life e até demonstraram o desejo de contrair matrimônio com brasileiras.
Segundo pesquisa do Data Folha, 95% dos estrangeiros aprovaram a hospitalidade
dos brasileiros. A pesquisa demonstrou ainda que nove a cada dez entrevistados
eram da opinião de que os brasileiros são simpáticos e receptivos.
Vários jornalistas e
torcedores estrangeiros, que estiveram nas cidades sedes da copa, afirmaram
suas satisfações com a copa sediada no Brasil. Suas impressões foram
registradas em matéria publicada, por exemplo, no jornal globo online (G1):
“Apresentador da CN23, em Buenos Aires, Pablo Alonso, se diz admirado com a
receptividade do brasileiro”.
Segundo o G1, em Belo
Horizonte torcedores belgas, Marc e Stephan Peerans, que ficaram três dias na
capital mineira, afirmaram o seguinte: “Antes de vir pra cá, recebemos vários
alertas para tomar cuidado com assaltos e violência. Mas até agora está tudo
maravilhoso. As pessoas são muito atenciosas e educadas — disse Marc.”
Como podemos perceber,
ideias e atitudes são divulgadas e generalizadas ao redor de todo o mundo,
fruto de imagens veiculadas na mídia, ou por alguma outra via, criando uma
espécie de terror cultural de uma nação para outra, todavia o contrário também
ocorre.
Mas não vamos aqui ser
ufanistas e afirmar que tudo em nosso país, região, ou cidade são maravilhas.
Bons exemplos de organização, educação, urbanismo e projetos políticos e
sociais devem ser benvindos, mas analisados segundo nossa cultura, afinal
educação não se impõe, ela é ensinada e em boa medida adquirida pelo exemplo,
como aquele dos torcedores japoneses recolhendo o próprio lixo nos estádios.
A copa do mundo no Brasil
permitiu uma reflexão bastante positiva acerca de nosso comportamento perante
estrangeiros e do comportamento de estrangeiros perante a nossa cultura. Isso
nos faz perceber que nada nos dá o direito de subjugar nossos semelhantes por
questões socioculturais, nem muito menos generalizar comportamentos negativos.
A copa do mundo sempre fará aflorar o espírito nacional e isso é salutar.
Assim, acredito que disputas esportivas são saudáveis até certo ponto, mas
nenhuma é inocente. Amor à pátria é importante, mas não deve ser alimentado com
arrogância, prepotência e ufanismo, ao ponto de negar o norral de conhecimentos
e de cultura alheia. Pra frente Brasil!
Referência
PARADELA, Eduardo
Ribeiro; PEREIRA, Marcela Saldanha; ANDERS, Quézia Silva; AGOSTINHO, Luciana de
Andrade; FIGUEIREDO, André Luís dos Santos; PAIVA, Carmen Lúcia Antão. Poderiam
os fundamentos da evolução humana e da genética desfazer discussões entre
"raça" e "inteligência"?. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande,
XI, n. 57, set 2008.
http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2014/07/1486270-83-dos-estrangeiros-avaliam-positivamente-organizacao-da-copa.shtml,
acessado em 14 Jul 2014.http://oglobo.globo.com/brasil/copa-brasil-bem-na-foto-na-visao-dos-estrangeiros-13022467, acessado em 14 Jul 2014.